terça-feira, 17 de agosto de 2010

"Doença de Chagas está na comunidade", diz parasitologista

Como a doença não existe no Japão, os sintomas não são facilmente diagnosticados pelos médicos locais


Sachio Miura, 62, é o único especialista japonês em doença de Chagas. Professor de medicina tropical e parasitologia da Faculdade de Medicina da Universidade Keio, ele viaja todo ano ao Brasil para se encontrar com pacientes, investigar focos da doença e trocar informações sobre o assunto.

Responsável por uma média de 21 mil mortes anuais, sobretudo na América Latina, a doença de Chagas está presente na comunidade brasileira no Japão. Segundo Sachio Miura, isso ocorre porque regiões como o interior de São Paulo, Paraná e a região Centro-Oeste, que concentram descendentes de japoneses, são pontos de proliferação do mal.

Como a doença não existe no Japão, os sintomas não são facilmente diagnosticados pelos médicos locais, o que já resultou na morte de brasileiros. Além disso, o pesquisador alerta que é preciso ficar atento para não contaminar outras pessoas por transfusão de sangue.

Único a realizar o exame preventivo no arquipélago, atualmente Miura coordena um programa do governo para identificação e controle da doença de Chagas voltado não só a sul-americanos, mas também a japoneses que viajam para lá.

Fazem parte palestras de conscientização a médicos e comunidades de estrangeiros.

Por que você se interessou pela doença de Chagas?
SACHIO MIURA: Esse mal manifesta-se principalmente na América do Sul, sobretudo no Brasil. Como eu gosto do País, me interessei pelo assunto. Além disso, sinto gratidão à comunidade nikkei pelo apoio quando estive pela primeira vez lá. Muitos dos descendentes
tinham a doença e precisavam de medidas preventivas. Com a vinda de muitos deles ao Japão a partir de 1990, os casos começaram a se manifestar aqui também. Desde então, recebo consultas de hospitais de diversas partes do país. Me interessei em saber a situação real e o percentual dos brasileiros portadores do protozoário que causa a doença. Isso porque ele pode se tornar ativo no sangue após anos de contaminação, o que requer diagnóstico correto para evitar a morte.

Todos que foram picados pelo barbeiro manifestam os sintomas?
MIURA: Não, 70% não manifestam, porque o inseto não necessariamente contém o agente causador. Mas em caso de contaminação, os sintomas podem levar até 40 anos para se manifestar. Ainda não se sabe o que causa a ativação.

Por que muitos descendentes de japonês no Brasil têm a doença?
MIURA: Algumas regiões de concentração deles, como Goiás, cidades de São Paulo, como Cafelândia, Lins, Ribeirão Preto e Marília, e do Paraná, como Londrina e Maringá, são focos de proliferação. Os japoneses que chegaram lá não sabiam a respeito da doença, por isso não tinham como evitá-la. Aqui no Japão, muitos descendentes acham que não têm a doença porque as casas em que moravam eram limpas. Mas minhas investigações apontam que alguns deles têm parentes ou conhecidos que já morreram
pela enfermidade. Os não-descendentes parecem estar mais cientes da situação, suspeitando da doença e informando os sintomas com mais precisão aos médicos por saber do risco. Isso é importante, pois a demora no tratamento pode causar a morte.

Existe algum caso assim?
MIURA: Sim. Um nikkei de Mesópolis (SP) teve a doença de Chagas detectada no Brasil e passou por tratamento. Sentindo-se melhor, veio ao Japão para trabalhar. Começou sentir os sintomas da doença de novo, mas, aos procurar um médico, ouviu que era estresse.
Mudou de trabalho, então, mas obviamente não adiantou: ele desmaiou e teve morte súbita. Outra vítima foi uma mulher de 27 anos em 2003. Ela veio de Campo Grande (MS) em 2001 e sabia ser portadora do agente causador, mas não fazia tratamento por não ter
sintomas. Ela havia sido contaminada por transfusão de sangue – no Brasil, o exame para saber se o doador está infectado começou apenas em 1980, então ela deve ter recebido sangue antes disso. No Japão, fiz o controle dos problemas que ela teve no coração causados pela doença, mas ela faleceu seis meses após retornar ao Brasil.

Quais os sintomas da fase grave?
MIURA: Arritmia cardíaca e falta de ar, causadas pelo aumento do tamanho do coração. No caso do intestino, é mais difícil de diagnosticar. Um dos sintomas é a dificuldade para engolir e evacuar.

Qual o tratamento?
MIURA: É preciso verificar constantemente o funcionamento do coração, com a ajuda de um cardiologista. Às vezes é necessário transplante ou implantação de marca-passo. Dos 41 casos que verifi quei até o momento, acompanho 15. Outros cinco estão em tratamento.
No caso de problemas intestinais, é possível resolver com a retirada da parte do órgão afetada.

Você tem algum alerta aos brasileiros?
MIURA: Foram identificados recentemente casos de contaminação pela alimentação. Ao extrair o líquido de açaí ou cana-de-açúcar, por exemplo, o barbeiro presente nas folhas dessas plantas pode ser triturado junto. Nesse caso, a contaminação pelo Trypanosoma Cruzi, é dez vezes mais rápida pela ingestão que pela picada.

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